INTRODUÇÃO
O teatro
angolano tem sofrido alterações constantes com a
contemporaneidade, mas sem perder a sua essência primária e cultural.
Neste
presente trabalho não queremos nos focar na actualidade, mas no passado
recente, propriamente na década de 90, pois foi a época em que muitos grupos
nacionais surgiram fruto das manifestações teatrais verificados nos anos
anteriores, nas décadas 70 e 80.
O tema
proposto é “O teatro em Angola entre
1990 a 2000”, para podermos a posterior entender as facetas do teatro hoje
feito em Angola. Tudo que é feito hoje é fruto de traços carregados do passado
para assim entendermos a especificidade do teatro desenvolvido no nosso quotidiano.
O mesmo foi
possível com subsídios do livro de teatro de José Mena Abrantes, artigos
tirados em alguns sites angolanos na internet e em relatos extraído das
entrevistas feitas pelo professor Norberto e do actor Manuel Teixeira do grupo
Julu.
O presente trabalho terá três capítulos,
subdividos por tema e subtemas. No primeiro capítulo falaremos dos primórdios
do teatro antes dos anos 90. No segundo capítulo falaremos do panorama da
década de 90, os grupos criados entre 1990 a 2000, a dramaturgia das obras e
suas respectivas características.
No terceiro
capítulo falaremos sobre o programa televisivo em cena da televisão pública de
Angola transmitida nesse período em questão.
O objectivo
primordial deste trabalho é trazer a tona o grande despertamento do teatro em Angola neste periodo em foco, visto que esse periodo é tido como apogeu do
teatro em Angola por causa do grande movimento artístico teatral e surgimento
de grupos de renomes e obras teatrais eternizadas.
Serve esta introdução para contextualizar que falar de teatro
em Angola é quase sinónimo de lamentar a falta de teatro em Angola. Porém,
apesar dos pesares, vale a pena fazer um levantamento muito sucinto que dê
conta das pontas soltas que têm mantido o teatro angolano vivo nestes 41 anos
de Independência e muitos desses elementos surgiram nessa época
(1990/2000).
1. OS PRIMÓRDIOS DO TEATRO ANTES DOS ANOS 90
Do
que se conhece, e sabemos que isso pressupõe que o que ficou para a História
foi à história dos dominadores, a introdução do teatro em Angola deve-se aos missionários.
No
interesse de evangelizar o pagão africano e torná-lo filho de Deus, a igreja
sempre se serviu de representações religiosas, realizadas em escolas de
missionários cristãos pelo país afora. A Igreja teve um papel de relevo no
contacto inicial com o teatro, mantendo, na actualidade, esse forte ascendente
sob vários grupos teatrais: só em Luanda são mais de cem os grupos criados
ligados a Igrejas. Em outras províncias como, por exemplo, a Huíla,
Benguela, Huambo e as demais restantes constatou-se a mesma realidade. O
objectivo era ensinar “bons” comportamentos (prevenir o HIV, apelar ao estudo,
condenar a violência doméstica, divulgar as tradições), defender valores morais
e familiares ou resolver questões existenciais, deste tipo teatro espera-se uma
função especializada ou a sua instrumentalização (política e outras) para
chegar a determinado fim.
A
ligação à Igreja tem-se feito sentir desde o tempo colonial durante a qual, se
foram desenvolvendo diversas expressões teatrais, tal como, por exemplo, o
teatro comunitário por causa da situação política que o país mergulhava.
No mesmo
diapasão dos grupos que surgiram fruto das denominações religiosas é disso
exemplo o Colectivo Miragens Teatro, fundado em 1995 numa comunidade religiosa
(São Luís), no Bairro Rangel, uma das periferias de Luanda. O outro exemplo é
do grupo teatral JULU, fundado em 1992 que deriva da junção de dois amigos e
colegas de teatro falecidos (Julião
e Lucas), com fortes influências da
Paróquia São Domingos da Igreja Católica Nossa Senhora de Fátima. Com Mateus
Lourenço, Manuel Teixeira, Vado Baptista e o Francisco Isidro como fundadores e
sempre sob supervisão de uma madre espanhola de nome Aurora Canale da mesma
paróquia.
Nesta época o movimento foi crescendo em
nível de formação de grupos (quantidade), números de fazedores (actores,
actrizes e encenadores) e certa característica peculiar (qualidade) nalgumas
obras criadas e representadas naquela altura.
2. O PANORAMA DOS ANOS 90
Depois de um movimento teatral entre
iniciativas quer por parte do estado quer por privados e singulares, verificado
depois da independência, que culminou com a criação de três grandes grupos de
teatro que até hoje dão o seu contributo pra o desenvolvimento de teatro
angolano. Nomeadamente os grupos Horizonte Njinga Mbande (1986), Oásis(1988)
Elinga Teatro (1988).
Em 1989 realizou-se o primeiro concurso de
teatro nacional dentro das festividades do primeiro festival nacional de cultura
(FENACULT), realizado na província de Benguela no mês de Agosto, no qual os
grupos Makotes, Oásis e o Njinga Mbande foram classificados, respectivamente,
em primeiro, segundo e terceiro lugar.
Essas manifestações artísticas e outras
tentativas e iniciativas anteriores deram os primeiros passos da grande
corrente teatral verificado na década de 90 a nível nacional. Muitos, se não
todos, consideram a década de 90 como o apogeu do teatro angolano, que foi se proliferando em todas as províncias de Angola.
O teatro feito nessa época, foi bastante
relevante como fenómeno cultural, pois foi uma grande plataforma unificadora de
tendências artísticas no país. Uma síntese artística do teatro feito neste
período é se, sombra de dúvidas a transformação de consciência, dos modos de
comportamento e da comunhão social do povo angolano.
Nesse período houve por parte do Ministério
da cultura e outras entidades privadas iniciativas de seminários e formações
aos grupos de teatro, o que proporcionou aos grupos uma certa organicidade e
estrutura interna. Na altura só em Luanda a cifra dos grupos cada vez mais
aumentava atingindo um número de mais de 200 grupos de teatro.
2.1.
OS GRUPOS CRIADOS NA DÉCADA DE 90 E SEUS
FUNDADORES
Os anos 90 vem proliferar de novo uma
infinidade de grupos, uns de curta duração e outros que têm conseguido afirmar-se
no panorama cénico da capital e manter uma certa continuidade na apresentação
de espectáculos.
São grupos em grande parte surgidos a sombra
de igrejas e instituições religiosas de diversas confissões (católicas,
evangélicas, kimbanguistas, etc.).
Entre os mais destacados estão os grupos JULU
(1992), dirigido por Loureço Mateus (em memória) e tornado profissional com o
apoio da UNICEF, Etu-Lene (1993), dirigido na época por Elisabeth Victória e
actualmente dirigido por Beto Cassua, o Coletivo Miragens Teatro (1995), o
Pérola Real (1994), que ganhou o primeiro lugar num concurso de comédias
organizado pela Associação Angolana de Teatro para infância e a Juventude (ASSATIJ).
Ao mesmo tempo outros grupos foram surgindo
dando dinamismo ao movimento como: Mukengenji ia Mundo (1992), Tudizole (1992),
Lumière(1993) dirigido por Luís Culaia e Tito da Graça Caculo “ Kiambill
Byron”, a Mais Um(1994), Caminheiros Negros de Emaús(1995), Tujingenji (1995),
Grupo Experimental do INFAC(1995), Nguizane Tuxicane (1996), Nova Cena,
dirigido por Armando Rosa (1993), Kulonga Teatro (1998), que significa ensinar
fundando por Afonso Fernandes “Zamunda” etc...
Desde
então, na conjuntura difícil e prolongada da guerra civil, inacessibilidade e
recursos nulos, foram poucos, mas resistentes, os grupos que conseguiram manter
a actividade, apresentando espectáculos, incentivando acções de formação e
procurando, sempre que possível, o intercâmbio internacional. A maioria
são empreendedores e de bairros periféricos, encenavam a si próprios sem
meios técnicos nem formação, com um imenso voluntarismo.
2.2. CARACTERÍSTICAS DAS OBRAS
O que se
verifica hoje é o reflexo do passado. Toda a problemática do teatro da década
de 90 contribuiu na sua poética artística. Tal como a falta de uma política
oficial para o desenvolvimento do teatro; a falta de escola de arte e de
programas e iniciativas por parte do governo que visam incentivar o
profissionalismo teatral; a falta de salas de teatro e de facilidades de acesso
às poucas existentes, a falta de projectos de organização do movimento teatral
amador junto dos estabelecimentos escolares, empresas, organismos e bairros; a
falta de dedicação por parte da UNAC na defesa dos interesses do teatro naquela
época fez nascer muitos artistas “aventureiros” no bom sentido claro.
Os grupos mais conhecidos foram se
consolidando e tornando mais regulares as suas actividades, novos grupos e
novas iniciativas foram surgindo, aumentou o número de pessoas interessadas em
fazer teatro e melhorou de um modo geral a qualidade média dos espectáculos
levados a público.
Portanto, as características gerais dos
espetáculos apresentados na época mostravam uma regularidade como exposição
frontal dos conflitos dramáticos, com nulo aproveitamento das potencialidades
do espaço cénico, quer em altura quer em profundidade. Outra característica era
a iluminação quase que não sofria alteração ou não tinha nenhuma função
dramática. Outro item interessante nas encenações e representações das obras
era o fundo do cenário com recurso frequente a cartazes e panos pintados que
nunca saiam de cena identificando o grupo, o título da obra ou apresentava uma
síntese gráfica da acção representada.
Outro aspecto importante era a atuação
natural e cómica exageradamente, era o típico da maioria dos personagens da
época. O fraco apoio sonoro quer ao vivo quer gravado, com agravante das poucas
músicas e danças utilizadas serem meramente decorativas, sem cumprirem qualquer
função dramática evidente.
As características do teor das obras
cingiam-se em: Manobras do feitiço; Críticas aos poderosos; À delinquência juvenil;
Violência doméstica; Alcoolismo; Droga e outros problemas de âmbito social, insistindo-se
quase sempre nos mesmos temas.
Este é o tipo de enfoque dos grupos da maior
parte do panorama na altura. Sem meios técnicos nem formação, mostravam uma
impressionante persistência em fazer teatro mas, na falta de referências, o
desconhecimento da história universal do teatro, o facto de não terem estudado
ou raramente poderem assistir a outro tipo de peças, os modelos ficam numa
espiral que os impossibilitava sair daquele conflito de conhecimento do que se
fazia.
As mesmas técnicas, personagens-tipo e
fórmulas de sucesso repetem-se até à exaustão. Muitas vezes são os próprios que
escrevem os seus textos dramáticos, viviam muito da improvisação e da auto-encenação,
quase sem cenários e sem obedecer às mínimas convenções teatrais de tempo
e espaço.
O gênero que mais se destacava era a comédia,
o não rir significava insuficiência e fracasso da obra. Os personagens usavam
gestos expressivos, caracterização debilitada e linguagem cantada.
Nos meados da década de 90 verificava-se um
crescimento a nível de teatro e uma reorganização dos grupos existentes. Em
1993 deu-se os primeiros passos para implementação do Instituto Nacional de
Formação Artística. Os grupos uniram-se e a cooperação com a cultura se
solidificava. Já se promovia formações e seminários de grande impacto cultural
tal como o seminário de teatro com mais de 200 grupos de teatro com junção da
dança no espaço Elinga com duração de três meses propriamente em 1994.
As associações foram surgindo tal como a
ASSATIJ coordenada pela Dr.ª Agnela Barros e outras parcerias com outras
associações como aliança Francesa e Associação Angolana de Livros coordenada
por Ana Faria.
Em 1995 começava a grande formação de teatro
pela Escola Nacional de Teatro onde passaram alunos como Avelino Dikota e o Afonso
Fernandes “zamunda” que durou sensivelmente 4 anos.
Depois desse ganho em termos de formação a
que destacar que o primeiro espetáculo académico foi apresentado nesta década em
Angola em fevereiro de 1996, intitulada “Humanidade!” um género (filo-drama) criado
e dirigido por professor Norberto que passou a ser exibida pela TPA por mais de
um ano.
Neste mesmo período os laços de cooperação e
união entre os grupos já se fazia sentir onde acordos e memorandos tal como o
memorando para a revitalização do teatro e outras artes em Angola. Esses
esforços contribuíram de uma forma significante para o teatro que culminou com
a implementação da redinamização do Festival Nacional de Teatro, a intrusão na
premiação Nacional de Cultura e Artes.
No mesmo diapasão já se aprofundava as
problemáticas do fundo de apoio aos artistas e a solidificação da Lei do Mecenato
tudo para engrandecer e valorização do artista de teatro.
3. NO FINAL DA DÉCADA DE 90
No final deste período propriamente nos anos
de 1997 e 1999, existiu uma imensa proliferação de grupos que se apresentavam
quase diariamente. O entusiasmo e vontade de fazer teatro, em salas
improvisadas e clubes de bairro, eram notáveis. Foi assim que nasce um projeto
artístico, que possibilitou representações de teatro constantes todas as quintas
feiras no teatro avenida promovida pelo ministério da cultura devido algumas
dificuldades notadas pelo ministério, propriamente secção da acção cultural
coordenado pelo Manuel Sebastião, convidou os artistas (teatro, danças…) entre
eles, o professor Sacaneno (dança), Matan`yadi Norberto, Quim Alves, Walter Cristóvão,
Adelino Caracol (teatro) para a implementação do mesmo. Começava uma nova era.
Os grupos recebiam um certo apoio institucional por parte da cultura onde
seminários, formações, prémios, concursos de teatro e intercâmbios com oradores
estrangeiros ganhavam forças.
Em fevereiro de 1999, fruto do impacto desse
surge assim a parceria com a Televisão Pública de Angola, denominado “Em cena”,
coordenado pelo professor Norberto, António de Oliveira " Délon" por
parte do ministério da cultura e com a realização do Tomás Ferreira por parte
da TPA. As obras mais marcantes durante essas transmissões foram: “Cassinda não
volta atrás”, do grupo teatral Nguizane Tuxicane e o “feiticeiro e o
inteligente” do grupo teatral Etu-Lene. Os grupos uniram-se e um laço saudável
com o ministério da cultura florescia. Mas durante esse período começava a
verificar-se uma certa rivalidade não saudável por parte dos grupos na ânsia
da divulgação das Mídias.
CONCLUSÃO
A conclusão óbvia
e irrecusável do teatro feito entre 1990 á 2000 é a sua manifestação primária e
uma fragilidade nas suas representações, não indo quase nunca além de boas
intenções e de um espírito marcadamente amadorístico e artesanal.
Não se
pode falar de teatro em Angola, sem falar desta magnífica época dourada do
teatro angolano. Período esse que é considerado o momento do “bum” do teatro feito no nosso país. Muitos grupos
hoje nas suas formas de dramatização ainda acarretam traços e características
das obras representadas nesta época e há ainda grupos que nasceram nesta década
que continuam com a mesma tendência de representação como por exemplo o grupo
Etu Lene, dirigido por Beto Cassua.
Portanto é
ainda visível ver espetáculos nas salas do nosso país com tipicidade e
características oriundas da década de 90, as temáticas passavam pelo
misticismo, feitiçaria, delinquências, aborto, violência doméstica e tantos
outros factores que acontecem nos dias de hoje.
Na senda do
teatro angolano muitos grupos dos “90” já atingiram níveis que permitiram a sua
participação em eventos importantes a nível internacional, como por exemplo o
grupo o grupo Miragens, Enigma, Henriques Artes e tanto outros...
Concluimos também que não podemos falar do
teatro angolano entre 1990 à 2000 sem falar da trajetória dos grandes actores e
directores que deram o ar da sua graça com tanto sacrifício a fim de alavancar
a mesma arte nesta época. Tal como: Roldão Ferreira, José Mena Abrantes,
António de Oliveira " Délon", Ana Paula Victor, Artimísia Lemos,
Sebastião Figueira, Nowa Wete, Carlos Dias, Salvador Freire, David Mendes,
Armando Rosa, Adelino Caracol, Púlqueira Van-Dúnem, Africano Cangombe, Avelino
Dikota, Quim Alves, Correia Domingos, Correira Azevedo Zulmira, Afonso
Fernandes Lourenço (Zamunda) e Agnela Barros fazem parte da história do teatro
em Angola principalmente neste periodo em questão. Cada um contribuiu à sua
maneira para que o teatro angolano chegasse ao seu momento actual e muitos
deles, até hoje dão o seu contributo para o engrandecimento da arte de
representação em Angola.
BIBLIOGRAFIAS
Abrantes,
José Mena, o teatro em Angola, 1º volume, 1ª ed, Ed. Nzila, 2005
https://www.voaportugues.com/a/article-10-07-11
http://jornalcultura.sapo.ao/artes/teatro-cada-vez-mais-angolano/
http://www.buala.org/pt/palcos/teatro-em-angola-uma-brevissima-sintese
Foto 1: Manuel Teixeira ( à esquerda) um dos fundadores do grupo teatral Julu em 1992 e Nelson Ndongala, estudante de teatro (à direita).
Foto 1: Manuel Teixeira ( à esquerda) um dos fundadores do grupo teatral Julu em 1992 e Nelson Ndongala, estudante de teatro (à direita).
Voce sabe alguma informação da oficina Cultural do Petro Atlético sediada no Centro Cultural da Universidade Federal Augustinho Neto,onde o Elinga Teatro tinha sua sede? Quais os cursos de teatro foram desenvolvidos?cursos de dança tradicional , coordenado pelo Mandingo?O que o professor Ricardo Moreira contribuiu com cursos naquela altura para os grupos de teatro de Luanda?Quem dirigiu o Teatro Avenida depois da reforma?
ResponderEliminarmeu email:ciadebonecosricardomoreira@gmail.com
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