sexta-feira, 25 de maio de 2018

O Teatro em Angola entre 1990 à 2000


 INTRODUÇÃO
O teatro angolano tem sofrido alterações constantes com a contemporaneidade, mas sem perder a sua essência primária e cultural.
Neste presente trabalho não queremos nos focar na actualidade, mas no passado recente, propriamente na década de 90, pois foi a época em que muitos grupos nacionais surgiram fruto das manifestações teatrais verificados nos anos anteriores, nas décadas 70 e 80.
O tema proposto é “O teatro em Angola entre 1990 a 2000”, para podermos a posterior entender as facetas do teatro hoje feito em Angola. Tudo que é feito hoje é fruto de traços carregados do passado para assim entendermos a especificidade do teatro desenvolvido no nosso quotidiano.
O mesmo foi possível com subsídios do livro de teatro de José Mena Abrantes, artigos tirados em alguns sites angolanos na internet e em relatos extraído das entrevistas feitas pelo professor Norberto e do actor Manuel Teixeira do grupo Julu.
 O presente trabalho terá três capítulos, subdividos por tema e subtemas. No primeiro capítulo falaremos dos primórdios do teatro antes dos anos 90. No segundo capítulo falaremos do panorama da década de 90, os grupos criados entre 1990 a 2000, a dramaturgia das obras e suas respectivas características.
No terceiro capítulo falaremos sobre o programa televisivo em cena da televisão pública de Angola transmitida nesse período em questão.
O objectivo primordial deste trabalho é trazer a tona o grande despertamento do teatro em Angola neste periodo em foco, visto que esse periodo é tido como apogeu do teatro em Angola por causa do grande movimento artístico teatral e surgimento de grupos de renomes e obras teatrais eternizadas.
Serve esta introdução para contextualizar que falar de teatro em Angola é quase sinónimo de lamentar a falta de teatro em Angola. Porém, apesar dos pesares, vale a pena fazer um levantamento muito sucinto que dê conta das pontas soltas que têm mantido o teatro angolano vivo nestes 41 anos de Independência e muitos desses elementos surgiram nessa época (1990/2000).

1.    OS PRIMÓRDIOS DO TEATRO ANTES DOS ANOS 90
Do que se conhece, e sabemos que isso pressupõe que o que ficou para a História foi à história dos dominadores, a introdução do teatro em Angola deve-se aos missionários.
No interesse de evangelizar o pagão africano e torná-lo filho de Deus, a igreja sempre se serviu de representações religiosas, realizadas em escolas de missionários cristãos pelo país afora. A Igreja teve um papel de relevo no contacto inicial com o teatro, mantendo, na actualidade, esse forte ascendente sob vários grupos teatrais: só em Luanda são mais de cem os grupos criados ligados a Igrejas. Em outras províncias como, por exemplo, a Huíla, Benguela, Huambo e as demais restantes constatou-se a mesma realidade. O objectivo era ensinar “bons” comportamentos (prevenir o HIV, apelar ao estudo, condenar a violência doméstica, divulgar as tradições), defender valores morais e familiares ou resolver questões existenciais, deste tipo teatro espera-se uma função especializada ou a sua instrumentalização (política e outras) para chegar a determinado fim.
A ligação à Igreja tem-se feito sentir desde o tempo colonial durante a qual, se foram desenvolvendo diversas expressões teatrais, tal como, por exemplo, o teatro comunitário por causa da situação política que o país mergulhava.
No mesmo diapasão dos grupos que surgiram fruto das denominações religiosas é disso exemplo o Colectivo Miragens Teatro, fundado em 1995 numa comunidade religiosa (São Luís), no Bairro Rangel, uma das periferias de Luanda. O outro exemplo é do grupo teatral JULU, fundado em 1992 que deriva da junção de dois amigos e colegas de teatro falecidos (Julião e Lucas), com fortes influências da Paróquia São Domingos da Igreja Católica Nossa Senhora de Fátima. Com Mateus Lourenço, Manuel Teixeira, Vado Baptista e o Francisco Isidro como fundadores e sempre sob supervisão de uma madre espanhola de nome Aurora Canale da mesma paróquia.
Nesta época o movimento foi crescendo em nível de formação de grupos (quantidade), números de fazedores (actores, actrizes e encenadores) e certa característica peculiar (qualidade) nalgumas obras criadas e representadas naquela altura.
2.    O PANORAMA DOS ANOS 90
Depois de um movimento teatral entre iniciativas quer por parte do estado quer por privados e singulares, verificado depois da independência, que culminou com a criação de três grandes grupos de teatro que até hoje dão o seu contributo pra o desenvolvimento de teatro angolano. Nomeadamente os grupos Horizonte Njinga Mbande (1986), Oásis(1988) Elinga Teatro (1988).
Em 1989 realizou-se o primeiro concurso de teatro nacional dentro das festividades do primeiro festival nacional de cultura (FENACULT), realizado na província de Benguela no mês de Agosto, no qual os grupos Makotes, Oásis e o Njinga Mbande foram classificados, respectivamente, em primeiro, segundo e terceiro lugar.
Essas manifestações artísticas e outras tentativas e iniciativas anteriores deram os primeiros passos da grande corrente teatral verificado na década de 90 a nível nacional. Muitos, se não todos, consideram a década de 90 como o apogeu do teatro angolano, que foi se proliferando em todas as províncias de Angola.
O teatro feito nessa época, foi bastante relevante como fenómeno cultural, pois foi uma grande plataforma unificadora de tendências artísticas no país. Uma síntese artística do teatro feito neste período é se, sombra de dúvidas a transformação de consciência, dos modos de comportamento e da comunhão social do povo angolano.
Nesse período houve por parte do Ministério da cultura e outras entidades privadas iniciativas de seminários e formações aos grupos de teatro, o que proporcionou aos grupos uma certa organicidade e estrutura interna. Na altura só em Luanda a cifra dos grupos cada vez mais aumentava atingindo um número de mais de 200 grupos de teatro.
2.1.        OS GRUPOS CRIADOS NA DÉCADA DE 90 E SEUS FUNDADORES
Os anos 90 vem proliferar de novo uma infinidade de grupos, uns de curta duração e outros que têm conseguido afirmar-se no panorama cénico da capital e manter uma certa continuidade na apresentação de espectáculos.
São grupos em grande parte surgidos a sombra de igrejas e instituições religiosas de diversas confissões (católicas, evangélicas, kimbanguistas, etc.).
Entre os mais destacados estão os grupos JULU (1992), dirigido por Loureço Mateus (em memória) e tornado profissional com o apoio da UNICEF, Etu-Lene (1993), dirigido na época por Elisabeth Victória e actualmente dirigido por Beto Cassua, o Coletivo Miragens Teatro (1995), o Pérola Real (1994), que ganhou o primeiro lugar num concurso de comédias organizado pela Associação Angolana de Teatro para infância e a Juventude (ASSATIJ).
Ao mesmo tempo outros grupos foram surgindo dando dinamismo ao movimento como: Mukengenji ia Mundo (1992), Tudizole (1992), Lumière(1993) dirigido por Luís Culaia e Tito da Graça Caculo “ Kiambill Byron”, a Mais Um(1994), Caminheiros Negros de Emaús(1995), Tujingenji (1995), Grupo Experimental do INFAC(1995), Nguizane Tuxicane (1996), Nova Cena, dirigido por Armando Rosa (1993), Kulonga Teatro (1998), que significa ensinar fundando por Afonso Fernandes “Zamunda” etc...
Desde então, na conjuntura difícil e prolongada da guerra civil, inacessibilidade e recursos nulos, foram poucos, mas resistentes, os grupos que conseguiram manter a actividade, apresentando espectáculos, incentivando acções de formação e procurando, sempre que possível, o intercâmbio internacional. A maioria são empreendedores e de bairros periféricos, encenavam a si próprios sem meios técnicos nem formação, com um imenso voluntarismo.
2.2.        CARACTERÍSTICAS DAS OBRAS
O que se verifica hoje é o reflexo do passado. Toda a problemática do teatro da década de 90 contribuiu na sua poética artística. Tal como a falta de uma política oficial para o desenvolvimento do teatro; a falta de escola de arte e de programas e iniciativas por parte do governo que visam incentivar o profissionalismo teatral; a falta de salas de teatro e de facilidades de acesso às poucas existentes, a falta de projectos de organização do movimento teatral amador junto dos estabelecimentos escolares, empresas, organismos e bairros; a falta de dedicação por parte da UNAC na defesa dos interesses do teatro naquela época fez nascer muitos artistas “aventureiros” no bom sentido claro.
Os grupos mais conhecidos foram se consolidando e tornando mais regulares as suas actividades, novos grupos e novas iniciativas foram surgindo, aumentou o número de pessoas interessadas em fazer teatro e melhorou de um modo geral a qualidade média dos espectáculos levados a público.
Portanto, as características gerais dos espetáculos apresentados na época mostravam uma regularidade como exposição frontal dos conflitos dramáticos, com nulo aproveitamento das potencialidades do espaço cénico, quer em altura quer em profundidade. Outra característica era a iluminação quase que não sofria alteração ou não tinha nenhuma função dramática. Outro item interessante nas encenações e representações das obras era o fundo do cenário com recurso frequente a cartazes e panos pintados que nunca saiam de cena identificando o grupo, o título da obra ou apresentava uma síntese gráfica da acção representada.
Outro aspecto importante era a atuação natural e cómica exageradamente, era o típico da maioria dos personagens da época. O fraco apoio sonoro quer ao vivo quer gravado, com agravante das poucas músicas e danças utilizadas serem meramente decorativas, sem cumprirem qualquer função dramática evidente.
As características do teor das obras cingiam-se em: Manobras do feitiço; Críticas aos poderosos; À delinquência juvenil; Violência doméstica; Alcoolismo; Droga e outros problemas de âmbito  social, insistindo-se quase sempre nos mesmos temas.
Este é o tipo de enfoque dos grupos da maior parte do panorama na altura. Sem meios técnicos nem formação, mostravam uma impressionante persistência em fazer teatro mas, na falta de referências, o desconhecimento da história universal do teatro, o facto de não terem estudado ou raramente poderem assistir a outro tipo de peças, os modelos ficam numa espiral que os impossibilitava sair daquele conflito de conhecimento do que se fazia.
As mesmas técnicas, personagens-tipo e fórmulas de sucesso repetem-se até à exaustão. Muitas vezes são os próprios que escrevem os seus textos dramáticos, viviam muito da improvisação e da auto-encenação, quase sem cenários e sem obedecer às mínimas convenções teatrais de tempo e espaço.
O gênero que mais se destacava era a comédia, o não rir significava insuficiência e fracasso da obra. Os personagens usavam gestos expressivos, caracterização debilitada e linguagem cantada.
Nos meados da década de 90 verificava-se um crescimento a nível de teatro e uma reorganização dos grupos existentes. Em 1993 deu-se os primeiros passos para implementação do Instituto Nacional de Formação Artística. Os grupos uniram-se e a cooperação com a cultura se solidificava. Já se promovia formações e seminários de grande impacto cultural tal como o seminário de teatro com mais de 200 grupos de teatro com junção da dança no espaço Elinga com duração de três meses propriamente em 1994.
As associações foram surgindo tal como a ASSATIJ coordenada pela Dr.ª Agnela Barros e outras parcerias com outras associações como aliança Francesa e Associação Angolana de Livros coordenada por Ana Faria.
Em 1995 começava a grande formação de teatro pela Escola Nacional de Teatro onde passaram alunos como Avelino Dikota e o Afonso Fernandes “zamunda” que durou sensivelmente 4 anos.
Depois desse ganho em termos de formação a que destacar que o primeiro espetáculo académico foi apresentado nesta década em Angola em fevereiro de 1996, intitulada “Humanidade!” um género (filo-drama) criado e dirigido por professor Norberto que passou a ser exibida pela TPA por mais de um ano.
Neste mesmo período os laços de cooperação e união entre os grupos já se fazia sentir onde acordos e memorandos tal como o memorando para a revitalização do teatro e outras artes em Angola. Esses esforços contribuíram de uma forma significante para o teatro que culminou com a implementação da redinamização do Festival Nacional de Teatro, a intrusão na premiação Nacional de Cultura e Artes.
No mesmo diapasão já se aprofundava as problemáticas do fundo de apoio aos artistas e a solidificação da Lei do Mecenato tudo para engrandecer e valorização do artista de teatro.
3.    NO FINAL DA DÉCADA DE 90
No final deste período propriamente nos anos de 1997 e 1999, existiu uma imensa proliferação de grupos que se apresentavam quase diariamente. O entusiasmo e vontade de fazer teatro, em salas improvisadas e clubes de bairro, eram notáveis. Foi assim que nasce um projeto artístico, que possibilitou representações de teatro constantes todas as quintas feiras no teatro avenida promovida pelo ministério da cultura devido algumas dificuldades notadas pelo ministério, propriamente secção da acção cultural coordenado pelo Manuel Sebastião, convidou os artistas (teatro, danças…) entre eles, o professor Sacaneno (dança), Matan`yadi Norberto, Quim Alves, Walter Cristóvão, Adelino Caracol (teatro) para a implementação do mesmo. Começava uma nova era. Os grupos recebiam um certo apoio institucional por parte da cultura onde seminários, formações, prémios, concursos de teatro e intercâmbios com oradores estrangeiros ganhavam forças. 
Em fevereiro de 1999, fruto do impacto desse surge assim a parceria com a Televisão Pública de Angola, denominado “Em cena”, coordenado pelo professor Norberto, António de Oliveira " Délon" por parte do ministério da cultura e com a realização do Tomás Ferreira por parte da TPA. As obras mais marcantes durante essas transmissões foram: “Cassinda não volta atrás”, do grupo teatral Nguizane Tuxicane e o “feiticeiro e o inteligente” do grupo teatral Etu-Lene. Os grupos uniram-se e um laço saudável com o ministério da cultura florescia. Mas durante esse período começava a verificar-se uma certa rivalidade não saudável por parte dos grupos na ânsia da  divulgação das Mídias.
                                                       CONCLUSÃO
A conclusão óbvia e irrecusável do teatro feito entre 1990 á 2000 é a sua manifestação primária e uma fragilidade nas suas representações, não indo quase nunca além de boas intenções e de um espírito marcadamente amadorístico e artesanal.
  Não se pode falar de teatro em Angola, sem falar desta magnífica época dourada do teatro angolano. Período esse que é considerado o momento do “bum”  do teatro feito no nosso país. Muitos grupos hoje nas suas formas de dramatização ainda acarretam traços e características das obras representadas nesta época e há ainda grupos que nasceram nesta década que continuam com a mesma tendência de representação como por exemplo o grupo Etu Lene, dirigido por Beto Cassua.
Portanto é ainda visível ver espetáculos nas salas do nosso país com tipicidade e características oriundas da década de 90, as temáticas passavam pelo misticismo, feitiçaria, delinquências, aborto, violência doméstica e tantos outros factores que acontecem nos dias de hoje.
Na senda do teatro angolano muitos grupos dos “90” já atingiram níveis que permitiram a sua participação em eventos importantes a nível internacional, como por exemplo o grupo o grupo Miragens, Enigma, Henriques Artes e tanto outros...
 Concluimos também que não podemos falar do teatro angolano entre 1990 à 2000 sem falar da trajetória dos grandes actores e directores que deram o ar da sua graça com tanto sacrifício a fim de alavancar a mesma arte nesta época. Tal como: Roldão Ferreira, José Mena Abrantes, António de Oliveira " Délon", Ana Paula Victor, Artimísia Lemos, Sebastião Figueira, Nowa Wete, Carlos Dias, Salvador Freire, David Mendes, Armando Rosa, Adelino Caracol, Púlqueira Van-Dúnem, Africano Cangombe, Avelino Dikota, Quim Alves, Correia Domingos, Correira Azevedo Zulmira, Afonso Fernandes Lourenço (Zamunda) e Agnela Barros fazem parte da história do teatro em Angola principalmente neste periodo em questão. Cada um contribuiu à sua maneira para que o teatro angolano chegasse ao seu momento actual e muitos deles, até hoje dão o seu contributo para o engrandecimento da arte de representação em Angola.
BIBLIOGRAFIAS 
Abrantes, José Mena, o teatro em Angola, 1º volume, 1ª ed, Ed. Nzila, 2005
https://www.voaportugues.com/a/article-10-07-11
http://jornalcultura.sapo.ao/artes/teatro-cada-vez-mais-angolano/
http://www.buala.org/pt/palcos/teatro-em-angola-uma-brevissima-sintese

                     Foto 1: Manuel Teixeira ( à esquerda) um dos fundadores do grupo teatral Julu em 1992 e Nelson Ndongala, estudante de teatro  (à direita).


2 comentários:

  1. Voce sabe alguma informação da oficina Cultural do Petro Atlético sediada no Centro Cultural da Universidade Federal Augustinho Neto,onde o Elinga Teatro tinha sua sede? Quais os cursos de teatro foram desenvolvidos?cursos de dança tradicional , coordenado pelo Mandingo?O que o professor Ricardo Moreira contribuiu com cursos naquela altura para os grupos de teatro de Luanda?Quem dirigiu o Teatro Avenida depois da reforma?

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