sexta-feira, 1 de junho de 2018

Saiba tudo sobre o actor Manuel Teixeira "O Avó N`gola"

 
                    INTRODUÇÃO

O presente trabalho é fruto de um sonho enraizado desde os primórdios da minha carreira como actor, simplesmente acasalou com a oportunidade dourada que me foi incumbida de fazê-la.
O outro lado de Manuel Teixeira, “O avó N`gola” é o tema de abordagem dessa dissertação. Uma dos motivos que me levou a escolher este actor é a sua personalidade tão emblemática e o rasgo emotivo deixado pelo seu personagem (Avó Ngola) que define a característica da sua poética estético-artístico. O outro motivo é a necessidade do reconhecimento e “homenagem” a este magnífico actor.
O trabalho basear-se-á em entrevista directa feita ao artista. O trabalho está composto por três capítulos subdivididos por temas e subtemas. No primeiro capítulo abordarei questões ligadas a vida pessoal do actor, o segundo capítulo focalizei-me na trajectória artística do mesmo, e o terceiro capítulo levantei a questão muito debatida actualmente no seio teatral: o que é necessário fazer para se ter uma vida artística profissional em Angola, e viver totalmente da arte sem qualquer outra fonte de receita, tal como é o caso do nosso protagonista em estudo.
O mais interessante é que essa necessidade se manifestou por si só no decorrer do aprofundamento da actualidade do conceito de “actor profissional”. Pois, mesmo não tendo uma formação acadêmica é um profissional pela vasta experiência e poética que obteve ao longo dos anos. Daí vem a objetivação do desse trabalho.
O objetivo desta pesquisa vem de um anseio da compreensão do modo como podemos identificar parâmetros para um melhor entendimento do que é ser ator profissional em Angola através da vida e obra dessa figura tão carismática do teatro angolano.

1.    A JORNADA DE UMA HISTÓRIA

Muitos conhecem o seu inconfundível rosto, muitos reconhecem de longe a poética da sua voz, mas nem todos conhecem de facto quem é, e o outro lado desta emblemática figura com mais de 25 anos de carreira artística dedicada em prol do teatro angolano.
Quem não o conhece? Muitos de nós, hoje actores, crescemos vendo os feitos dessa figura tão inspiradora e motivadora, com um talento único, reconhecível e “invejável” no bom sentido, claro.
O meu interesse em biografar a sua vida começou no ano de 2014 onde tive a honra de participar da segunda edição do Festival Nacional de Cultura e Artes (FENACULT), onde tive a honra de ser convidado a fazer parte da obra teatral do grupo JULU, intitulado Mpambo ya Njila (encruzilhada). Confesso que foi o realizar de um sonho e como se não bastasse interpretei três personagens na mesma obra, um dos quais foi o personagem de tio dessa grande estrela do teatro angolano. Foi nesse exato momento que tive o primeiro contacto com ele, mal me contia. Passeando com o grupo JULU, nas ruas de Lobito por um instante senti-me numa “estrela”. Afinal de contas quem é o Manuel Teixeira? Como conseguiu conquistar o coração de milhares de angolanos com os seus personagens? Qual é o segredo da sua poética?
Manuel Alves Teixeira, Nascido aos 2 de Novembro de 1965 na província de Luanda, no município do Rangel, as ruas do bairro Marçal viu-o crescer. É o primeiro de cinco irmãos. Filho de pais de origem de Kwanza Sul nomeadamente António Alves Teixeira e de Conceição Manuel Rocha, o kimbundo é a sua língua materna que na qual determinou marcantemente na sua estética. Hoje, é casado e pai de cinco filhos tendo já até agora duas netas. Concluiu o ensino pré-universitário no Puniv de Luanda. Em 1983 ingressou para as fileiras das Forças Armadas, na 7ª Região Waku Kungu.
Nunca fez teatro dentro das forças Armadas. Dentro da brigada desempenhou as funções de Logístico do batalhão, e depois exerceu a função de administração no Departamento Geral na Direção Política Nacional das FAPLA até 1992. Nesse mesmo ano começa a sua aventura no teatro profissionalmente falando, passando anos depois a auferir um salário fruto do seu trabalho.
2.    CARREIRA ARTÍSTICA E PROFISSIONAL

Nunca passou pela sua cabeça fazer um dia teatro, tal como qualquer jovem Manuel Teixeira tinha outros sonhos longe do teatro. Na linhagem de sua família nunca se teve registo de alguém que fez teatro, ou seja, era o único de sua família que embarcou nessa árdua aventura dos palcos. Sem pensar fazer teatro até porque o mesmo achava-se tímido e sem nenhuma habilidade para representar.
Eu sou uma pessoa tímida e era muito tímido ainda o teatro ajudou-me a sair da timidez” argumentou em entrevista. O tempo foi passando até que um dia eis que um “anjo” enviado por Deus caiu dos céus de nome Aurora Canale e convidou o mesmo a fazer teatro no grupo da Igreja.
Graças a irmã Aurora Canale, madre de origem espanhola, missionária franciscana de Maria, me incentivou e me puxou a entrar no teatro, mesmo contra a minha resistência” salientou o Manuel Teixeira durante a entrevista.
Algo interessante saiu da sua boca durante a entrevista, me chamou atenção de imediato quando o entrevistava que decidi transcrever a frase completa dita pelo entrevistado:
“Deus me deu o dom de ser actor, a irmã Aurora Canale despertou em mim esse dom e o Mateus Lourenço aperfeiçoou-me”.
O seu primeiro personagem foi de garçon, atendendo em bar e sem nenhuma fala em 1983. Mas neste mesmo ano interrompeu a sua carreira entrando para as forças armadas na qual permaneceu durante 7 anos.
O grupo de teatro JULU, criado no período das eleições em 1992, catapultou e alavancou a sua carreira artística e profissional. Fruto desse trabalho realizado antes, durante e após as primeiras eleições gerais em Angola começou a primeira parceria com a Televisão Pública de Angola com gravações de historietas denominado “Histórias Nossas”. Um ano depois, em 1993, o talento do grupo foi visto e reconhecido por muitos, a exemplo disso foi a parceria com a UNICEF que perdurou até 2007.
A sua poética está estritamente ligada com a sua grande paixão que é o teatro comunitário de intervenção. Esta forma de representação “é o que me identifica” realçou.
Já participou em várias formações de teatro durante a sua carreira nomeadamente a formação de teatro comunitário para o desenvolvimento, patrocinado pela UNICEF, curso de interpretação com o luso angolano Rogério, curso de teatro comunitário e Marionetes com duas professoras israelitas, Naomi Yoeli e Miriam Peeri, e tantos outros afinal são mais de 25 anos dedicados ao teatro.  Sempre representou com o Julu, uma das poucas experiências que teve fora do mesmo foi com a fundação FUNDANGA, com a obra que retratava “o processo 50”, na qual representou um dos presos político de uma história marcada com sangue de bravos homens que lutaram em prol da independência de Angola.
Em angola, já representou em várias províncias e tem participado de uma forma constante em vários festivais organizados por grupos teatrais, Ministério da Cultura, organizações teatrais nomeadamente no Festival de Teatro do Cazenga (FESTECA), Festival de Teatro da Paz (FESTEAPAZ), Circuito Internacional de Teatro (CIT), Angola independente (Atos e cenas), entre outros. Para além das suas participações nacionais Manuel Teixeira já representou Angola em festivais internacionais como por exemplo: Festival Internacional de Teatro do Congo (RDC), na primeira bienal dos jovens criadores da CPLP (Cabo Verde) e em campanhas publicitárias gravadas em Portugal.
Fruto desse árduo trabalho Manuel Teixeira já foi homenageado, um desses tributos foi feito na 7ª Edição do FESTECA, e já arrebatou vários prémios individuais e coletivos com o seu grupo. Dois prémios cidade de Luanda com as obras Avó Mbaxi e a história de Chamavo (na qual interpretou o personagem de Avó Mbaxi) e poeiras das poeiras, prêmio identidade pela SADC e UNAC, e a maior premiação em Angola de artes na categoria de teatro, “O Prémio Nacional de Cultura e Artes (2015) ”.
Não parou por aí, já participou em novelas como: Caminhos Cruzados (na qual interpretou o burlesco personagem de Sanguito), Sede de Viver, Única Mulher, as duas primeiras produzidas pela TPA e a última com produção portuguesa.
No cinema também tem o seu registo na participação nos filmes Heroi, O Mbacu, Os Emplastos, este último produzido pela Tulane e realizado por Alberto Botelho. Fez um filme internacional realizada por uma equipe italiana, mas até hoje não viu o filme tanto que o mesmo não se lembra até do título.
Na literatura tem a participação na compilação do livro com o título “Manual de Teatro Comunitário” e com Manuel Alves lançaram o livro na “Boca do mas velho” titulo que foi lançado em Kimbundu.
Comediante nato, sem muito esforço naturalmente leva quem o assiste ao delírio, sua voz roca marcante e a padronização das características do seu personagem Avó N`gola determinam a sua poética.
O mesmo não faz parte de nenhuma instituição arte simplesmente como actor do grupo JULU (reconhecido pelo Ministério da Cultura) ocupando o cargo de Secretario de Administração e Finanças é membro da UNAC e da Associação Angolana de Teatro.

3.    A FUNDAÇÃO DO GRUPO JULU

A introdução do teatro em Angola deve-se aos missionários. No interesse de evangelizar o pagão africano e torná-lo filho de Deus, a igreja sempre se serviu de representações religiosas, realizadas em escolas de missionários cristãos pelo país afora. A Igreja teve um papel de relevo no contacto inicial com o teatro, mantendo, na actualidade, esse forte ascendente sob vários grupos teatrais: só em Luanda são mais de cem os grupos criados ligados a Igrejas. O objectivo era ensinar “bons” comportamentos (prevenir o HIV, apelar ao estudo, condenar a violência doméstica, divulgar as tradições), defender valores morais e familiares ou resolver questões existenciais.
A ligação à Igreja tem-se feito sentir desde o tempo colonial durante a qual, se foram desenvolvendo diversas expressões teatrais, tal como, por exemplo, o teatro comunitário por causa da situação política que o país mergulhava. É disso exemplo o grupo teatral JULU que deriva da junção de dois amigos e colegas de teatro falecidos (Julião e Lucas), fundado em 1992 com fortes influência da Paróquia São Domingos da Igreja Católica Nossa Senhora de Fátima.  
Anos depois nas vésperas das primeiras eleições em Angola, numa altura em que o país passava por uma situação de conflito armado, a comissão organizadora solicitou um grupo de teatro para educação cívica eleitoral e um amigo Luis Gonçalves pertencente a outra paróquia, sugeriu que eles formassem um grupo de teatro e assim surgiu, o JULU. Com Mateus Lourenço, Manuel Teixeira, Vado Baptista e o Francisco Isidro como fundadores e sempre sob supervisão da madre Aurora Canale. Com o JULU, nasce assim a lenda do teatro em Angola, que muito fez e tem feito em prol do teatro dando desse modo à Manuel Teixeira um estatuto sublime  e um impacto significativo na vida de milhões de angolano.
Não se pode falar de Manuel Teixeira sem falar do grupo Julu, pois para além se ser co-fundador o mesmo nunca se desvinculou do grupo e tudo quanto alcançou é graças ao trabalho árduo directamente desenvolvido com o grupo teatral Julu.

PROFISSIONALIZAÇÃO DE MANUEL TEIXEIRA

O Teatro em Angola deu os seus primeiros passos antes da independência. Logo após a Independência este movimento artístico foi se intensificando. O JULU é um deles que nasceu e até hoje sobrevive e remunera mensalmente os seus actores tudo graças a apoios institucionais. A transparência tem norteado a unidade do conjunto, todos têm acesso dos contratos que o grupo assina. O grupo JULU trabalha em base de projectos e parcerias.
“Nós não dormimos, cada um é responsável pela manutenção financeira do grupo”, salientou durante a entrevista.
O que nos interessa saber se esses actores que têm no seu curriculum artístico um vasto largo anos de experiência, podem ou não ser considerados profissionais de teatro, tal como é o nosso objecto de pesquisa.
Segundo a UNAC (União Nacional dos Artistas e compositores), no seu regulamento sobre a Carteira Profissional do Artista, capitulo II, no ponto dois do 8º artigo descreve:
“O artista profissional tem de ter, no mínimo, experiência profissional artística publicamente reconhecida e comprovada por uma associação idónea”.
Mas, contudo não descarta-se a importância que uma formação tem no processo da profissionalização do actor, pois a escola é um importante espaço de socialização com o meio profissional.
Segundo a UNAC (União Nacional dos Artistas e compositores), no seu regulamento sobre a Carteira Profissional do Artista, capitulo II, no ponto um do 8º artigo descreve: “O artista profissional é o indivíduo que, exclusiva ou predominantemente, dedica o seu tempo ao exercício da atividades artística, dependendo dela a sua subsistência”.
A remuneração tem sido uma ideia muito mal compreendida no seio artístico, uma coisa é receber em certos momentos remunerações fruto do trabalho realizado e outra coisa é receber um salário mensal, Ou seja, o actor profissional é aquele que vive do que faz. Tal como vive por exemplo Manuel Teixeira.
A pergunta que não quer se calar e gera muitas incertezas é: em Angola é possível viver só da profissão de Actor?
Se sim ou não eu não sei, pois depende de muitos factores, mais uma coisa absorvi dessa pesquisa que em Angola tem actores que vivem exclusivamente do teatro e uma dessas figuras chama-se Manuel Teixeira.
Seu grupo desde 1993 aufere um salário fruto de contrato estabelecido com a UNICEF, no qual foram coordenadores nacionais de teatro comunitário. Onde realizavam formações juntos as comunidades acerca do teatro de intervenção, comunitário. Hoje têm um contrato com a TPA (Televisão Pública de Angola) e com a PGR(Procuradoria Geral da República), onde são assalariados. Para além dessas instituições o grupo semanalmente tem sempre uma agenda preenchida cooperando constantemente com quase todos os ministérios, empresas públicas e instituições privadas.

CONCLUSÃO
Se reconhece um artista através das suas obras. Os seus feitos e a sua trajetória marcaram e ainda no activo Manuel Teixeira tem marcado milhões de angolano. A história do teatro em Angola regista figuras e personagens emblemáticas marcantes e uma dessas personalidades é sem sombras de dúvidas, Manuel Teixeira. Sua imagem e fama foram difundidas com o místico grupo de teatro comunitário “JULU” durante as transmissões de várias campanhas e publicidades emitidas na altura na única estação televisiva do país, a TPA.
Umas das questões que muitos dos alunos do ISART se debate é o seu perfil de saída depois da sua formação, pois muitos não perspetivam um futuro próximo próspero mas a vida de Manuel Teixeira poderá ser um incentivo catalisador na dinâmica de um mercado cada vez mais capitalista.
Durante o desenvolvimento deste trabalho, constatei que o caminho mais viável para a profissionalização do actor requer pelo menos uma formação acadêmica ou técnica; uma experiência considerável e comprovada e ser remunerado pelo exercício da mesma atividade.
Portanto, ainda existe uma esperança no fundo do túnel para os artistas que estão em processo de formação ainda que a luz não tenha dado o ar da sua graça, Manuel Teixeira revelou parte do seu sucesso. “Cada actor do JULU é um potencial em criar e apresentar projectos para as instituições”.







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