INTRODUÇÃO
O presente trabalho é fruto de um sonho enraizado desde os primórdios da
minha carreira como actor, simplesmente acasalou com a oportunidade dourada que
me foi incumbida de fazê-la.
O outro lado de Manuel Teixeira, “O avó N`gola” é o tema de abordagem
dessa dissertação. Uma dos motivos que me levou a escolher este actor é a sua
personalidade tão emblemática e o rasgo emotivo deixado pelo seu personagem (Avó
Ngola) que define a característica da sua poética estético-artístico. O
outro motivo é a necessidade do reconhecimento e “homenagem” a este magnífico
actor.
O trabalho basear-se-á em entrevista directa feita ao artista. O trabalho
está composto por três capítulos subdivididos por temas e subtemas. No primeiro
capítulo abordarei questões ligadas a vida pessoal do actor, o segundo capítulo
focalizei-me na trajectória artística do mesmo, e o terceiro capítulo levantei
a questão muito debatida actualmente no seio teatral: o que é necessário fazer para
se ter uma vida artística profissional em Angola, e viver totalmente da arte sem
qualquer outra fonte de receita, tal como é o caso do nosso protagonista em
estudo.
O mais interessante é que essa necessidade se manifestou por si só no
decorrer do aprofundamento da actualidade do conceito de “actor profissional”. Pois,
mesmo não tendo uma formação acadêmica é um profissional pela vasta experiência
e poética que obteve ao longo dos anos. Daí vem a objetivação do desse
trabalho.
O objetivo desta pesquisa vem de um anseio da compreensão do modo como
podemos identificar parâmetros para um melhor entendimento do que é ser ator
profissional em Angola através da vida e obra dessa figura tão carismática do
teatro angolano.
1. A JORNADA DE UMA HISTÓRIA
Muitos conhecem o seu inconfundível rosto, muitos reconhecem de longe a
poética da sua voz, mas nem todos conhecem de facto quem é, e o outro lado
desta emblemática figura com mais de 25 anos de carreira artística dedicada em
prol do teatro angolano.
Quem não o conhece? Muitos de nós, hoje actores, crescemos vendo os feitos
dessa figura tão inspiradora e motivadora, com um talento único, reconhecível e
“invejável” no bom sentido, claro.
O meu interesse em biografar a sua vida começou no ano de 2014 onde tive a
honra de participar da segunda edição do Festival Nacional de Cultura e Artes
(FENACULT), onde tive a honra de ser convidado a fazer parte da obra teatral do
grupo JULU, intitulado Mpambo ya Njila (encruzilhada). Confesso que foi o
realizar de um sonho e como se não bastasse interpretei três personagens na
mesma obra, um dos quais foi o personagem de tio dessa grande estrela do teatro
angolano. Foi nesse exato momento que tive o primeiro contacto com ele, mal me
contia. Passeando com o grupo JULU, nas ruas de Lobito por um instante senti-me
numa “estrela”. Afinal de contas quem é o Manuel Teixeira? Como conseguiu
conquistar o coração de milhares de angolanos com os seus personagens? Qual é o
segredo da sua poética?
Manuel Alves Teixeira, Nascido aos 2 de Novembro de 1965 na província de
Luanda, no município do Rangel, as ruas do bairro Marçal viu-o crescer. É o
primeiro de cinco irmãos. Filho de pais de origem de Kwanza Sul nomeadamente
António Alves Teixeira e de Conceição Manuel Rocha, o kimbundo é a sua língua
materna que na qual determinou marcantemente na sua estética. Hoje, é casado e
pai de cinco filhos tendo já até agora duas netas. Concluiu o ensino
pré-universitário no Puniv de Luanda. Em 1983 ingressou para as fileiras das Forças
Armadas, na 7ª Região Waku Kungu.
Nunca fez teatro dentro das forças Armadas. Dentro da brigada desempenhou
as funções de Logístico do batalhão, e depois exerceu a função de administração
no Departamento Geral na Direção Política Nacional das FAPLA até 1992. Nesse
mesmo ano começa a sua aventura no teatro profissionalmente falando, passando
anos depois a auferir um salário fruto do seu trabalho.
2. CARREIRA ARTÍSTICA E PROFISSIONAL
Nunca passou pela sua cabeça fazer um dia teatro, tal como qualquer jovem
Manuel Teixeira tinha outros sonhos longe do teatro. Na linhagem de sua família
nunca se teve registo de alguém que fez teatro, ou seja, era o único de sua
família que embarcou nessa árdua aventura dos palcos. Sem pensar fazer teatro
até porque o mesmo achava-se tímido e sem nenhuma habilidade para representar.
“Eu sou uma pessoa tímida e era muito
tímido ainda o teatro ajudou-me a sair da timidez” argumentou em
entrevista. O tempo foi passando até que um dia eis que um “anjo” enviado por
Deus caiu dos céus de nome Aurora Canale e convidou o mesmo a fazer teatro no
grupo da Igreja.
“Graças a irmã Aurora Canale, madre
de origem espanhola, missionária franciscana de Maria, me incentivou e me puxou
a entrar no teatro, mesmo contra a minha resistência” salientou o Manuel
Teixeira durante a entrevista.
Algo interessante saiu da sua boca durante a entrevista, me chamou atenção
de imediato quando o entrevistava que decidi transcrever a frase completa dita
pelo entrevistado:
“Deus me deu o dom de
ser actor, a irmã Aurora Canale despertou em mim esse dom e o Mateus Lourenço
aperfeiçoou-me”.
O seu primeiro personagem foi de garçon, atendendo em bar e sem nenhuma
fala em 1983. Mas neste mesmo ano interrompeu a sua carreira entrando para as
forças armadas na qual permaneceu durante 7 anos.
O grupo de teatro JULU, criado no período das eleições em 1992, catapultou
e alavancou a sua carreira artística e profissional. Fruto desse trabalho
realizado antes, durante e após as primeiras eleições gerais em Angola começou
a primeira parceria com a Televisão Pública de Angola com gravações de
historietas denominado “Histórias Nossas”. Um ano depois, em 1993, o talento do
grupo foi visto e reconhecido por muitos, a exemplo disso foi a parceria com a
UNICEF que perdurou até 2007.
A sua poética está estritamente ligada com a sua grande paixão que é o
teatro comunitário de intervenção. Esta forma de representação “é o que me
identifica” realçou.
Já
participou em várias formações de teatro durante a sua carreira nomeadamente a
formação de teatro comunitário para o desenvolvimento, patrocinado pela UNICEF,
curso de interpretação com o luso angolano Rogério, curso de teatro comunitário
e Marionetes com duas professoras israelitas, Naomi Yoeli e Miriam Peeri, e
tantos outros afinal são mais de 25 anos dedicados ao teatro. Sempre representou com o Julu, uma das poucas
experiências que teve fora do mesmo foi com a fundação FUNDANGA, com a obra que
retratava “o processo 50”, na qual representou um dos presos político de uma história
marcada com sangue de bravos homens que lutaram em prol da independência de
Angola.
Em
angola, já representou em várias províncias e tem participado de uma forma
constante em vários festivais organizados por grupos teatrais, Ministério da
Cultura, organizações teatrais nomeadamente no Festival de Teatro do Cazenga
(FESTECA), Festival de Teatro da Paz (FESTEAPAZ), Circuito Internacional de
Teatro (CIT), Angola independente (Atos e cenas), entre outros. Para além das
suas participações nacionais Manuel Teixeira já representou Angola em festivais
internacionais como por exemplo: Festival Internacional de Teatro do Congo
(RDC), na primeira bienal dos jovens criadores da CPLP (Cabo Verde) e em
campanhas publicitárias gravadas em Portugal.
Fruto
desse árduo trabalho Manuel Teixeira já foi homenageado, um desses tributos foi
feito na 7ª Edição do FESTECA, e já arrebatou vários prémios individuais e
coletivos com o seu grupo. Dois prémios cidade de Luanda com as obras Avó Mbaxi
e a história de Chamavo (na qual interpretou o personagem de Avó Mbaxi) e
poeiras das poeiras, prêmio identidade pela SADC e UNAC, e a maior premiação em
Angola de artes na categoria de teatro, “O Prémio Nacional de Cultura e Artes
(2015) ”.
Não
parou por aí, já participou em novelas como: Caminhos Cruzados (na qual interpretou
o burlesco personagem de Sanguito), Sede de Viver, Única Mulher, as duas
primeiras produzidas pela TPA e a última com produção portuguesa.
No
cinema também tem o seu registo na participação nos filmes Heroi, O Mbacu, Os
Emplastos, este último produzido pela Tulane e realizado por Alberto Botelho.
Fez um filme internacional realizada por uma equipe italiana, mas até hoje não
viu o filme tanto que o mesmo não se lembra até do título.
Na
literatura tem a participação na compilação do livro com o título “Manual de Teatro
Comunitário” e com Manuel Alves lançaram o livro na “Boca do mas velho” titulo
que foi lançado em Kimbundu.
Comediante
nato, sem muito esforço naturalmente leva quem o assiste ao delírio, sua voz
roca marcante e a padronização das características do seu personagem Avó N`gola
determinam a sua poética.
O
mesmo não faz parte de nenhuma instituição arte simplesmente como actor do
grupo JULU (reconhecido pelo Ministério da Cultura) ocupando o cargo de Secretario
de Administração e Finanças é membro da UNAC e da Associação Angolana de
Teatro.
3. A FUNDAÇÃO DO GRUPO JULU
A introdução do teatro em Angola
deve-se aos missionários. No interesse de evangelizar o pagão africano e
torná-lo filho de Deus, a igreja sempre se serviu de representações religiosas,
realizadas em escolas de missionários cristãos pelo país afora. A Igreja teve
um papel de relevo no contacto inicial com o teatro, mantendo, na actualidade,
esse forte ascendente sob vários grupos teatrais: só em Luanda são mais de cem
os grupos criados ligados a Igrejas. O objectivo era ensinar “bons”
comportamentos (prevenir o HIV, apelar ao estudo, condenar a violência
doméstica, divulgar as tradições), defender valores morais e familiares ou
resolver questões existenciais.
A ligação à Igreja tem-se feito sentir desde o tempo colonial durante a
qual, se foram desenvolvendo diversas expressões teatrais, tal como, por
exemplo, o teatro comunitário por causa da situação política que o país
mergulhava. É disso exemplo o grupo teatral JULU que deriva da junção de dois
amigos e colegas de teatro falecidos (Julião
e Lucas), fundado em 1992 com fortes
influência da Paróquia São Domingos da Igreja Católica Nossa Senhora de Fátima.
Anos depois nas vésperas das primeiras eleições em Angola, numa altura em
que o país passava por uma situação de conflito armado, a comissão organizadora
solicitou um grupo de teatro para educação cívica eleitoral e um amigo Luis
Gonçalves pertencente a outra paróquia, sugeriu que eles formassem um grupo de
teatro e assim surgiu, o JULU. Com Mateus Lourenço, Manuel Teixeira, Vado
Baptista e o Francisco Isidro como fundadores e sempre sob supervisão da madre
Aurora Canale. Com o JULU, nasce assim a lenda do teatro em Angola, que muito
fez e tem feito em prol do teatro dando desse modo à Manuel Teixeira um
estatuto sublime e um impacto
significativo na vida de milhões de angolano.
Não
se pode falar de Manuel Teixeira sem falar do grupo Julu, pois para além se ser
co-fundador o mesmo nunca se desvinculou do grupo e tudo quanto alcançou é
graças ao trabalho árduo directamente desenvolvido com o grupo teatral Julu.
PROFISSIONALIZAÇÃO
DE MANUEL TEIXEIRA
O Teatro em Angola deu os seus primeiros passos antes da independência.
Logo após a Independência este movimento artístico foi se intensificando. O
JULU é um deles que nasceu e até hoje sobrevive e remunera mensalmente os seus
actores tudo graças a apoios institucionais. A transparência tem norteado a
unidade do conjunto, todos têm acesso dos contratos que o grupo assina. O grupo
JULU trabalha em base de projectos e parcerias.
“Nós não dormimos, cada um é responsável pela manutenção financeira do
grupo”, salientou durante a entrevista.
O que nos interessa saber se esses actores que têm no seu
curriculum artístico um vasto largo anos de experiência, podem ou não ser
considerados profissionais de teatro, tal como é o nosso objecto de pesquisa.
Segundo a UNAC (União Nacional dos Artistas e
compositores), no seu regulamento sobre a Carteira Profissional do Artista,
capitulo II, no ponto dois do 8º artigo descreve:
“O artista profissional tem de ter, no mínimo, experiência
profissional artística publicamente reconhecida e comprovada por uma associação
idónea”.
Mas, contudo não descarta-se a importância que uma
formação tem no processo da profissionalização do actor, pois a escola é um
importante espaço de socialização com o meio profissional.
Segundo a UNAC (União Nacional dos Artistas e
compositores), no seu regulamento sobre a Carteira Profissional do Artista,
capitulo II, no ponto um do 8º artigo descreve: “O artista profissional é o indivíduo que, exclusiva ou predominantemente, dedica o seu tempo ao exercício
da atividades artística, dependendo dela a sua subsistência”.
A remuneração tem sido uma ideia muito mal compreendida
no seio artístico, uma coisa é receber em certos momentos remunerações fruto do
trabalho realizado e outra coisa é receber um salário mensal, Ou seja, o actor
profissional é aquele que vive do que faz. Tal como vive por exemplo Manuel
Teixeira.
A pergunta que não quer se calar e gera muitas incertezas
é: em Angola é possível viver só da profissão de Actor?
Se sim ou não eu não sei, pois depende de muitos
factores, mais uma coisa absorvi dessa pesquisa que em Angola tem actores que
vivem exclusivamente do teatro e uma dessas figuras chama-se Manuel Teixeira.
Seu grupo desde 1993 aufere um salário fruto de contrato
estabelecido com a UNICEF, no qual foram coordenadores nacionais de teatro
comunitário. Onde realizavam formações juntos as comunidades acerca do teatro
de intervenção, comunitário. Hoje têm um contrato com a TPA (Televisão Pública
de Angola) e com a PGR(Procuradoria Geral da República), onde são assalariados.
Para além dessas instituições o grupo semanalmente tem sempre uma agenda
preenchida cooperando constantemente com quase todos os ministérios, empresas
públicas e instituições privadas.
CONCLUSÃO
Se
reconhece um artista através das suas obras. Os seus feitos e a sua trajetória
marcaram e ainda no activo Manuel Teixeira tem marcado milhões de angolano. A história
do teatro em Angola regista figuras e personagens emblemáticas marcantes e uma
dessas personalidades é sem sombras de dúvidas, Manuel Teixeira. Sua imagem e
fama foram difundidas com o místico grupo de teatro comunitário “JULU” durante
as transmissões de várias campanhas e publicidades emitidas na altura na única
estação televisiva do país, a TPA.
Umas
das questões que muitos dos alunos do ISART se debate é o seu perfil de saída
depois da sua formação, pois muitos não perspetivam um futuro próximo próspero
mas a vida de Manuel Teixeira poderá ser um incentivo catalisador na dinâmica
de um mercado cada vez mais capitalista.
Durante o desenvolvimento deste trabalho, constatei que o
caminho mais viável para a profissionalização do actor requer pelo menos uma
formação acadêmica ou técnica; uma experiência considerável e comprovada e ser
remunerado pelo exercício da mesma atividade.
Portanto, ainda existe uma esperança no fundo do túnel
para os artistas que estão em processo de formação ainda que a luz não tenha
dado o ar da sua graça, Manuel Teixeira revelou parte do seu sucesso. “Cada
actor do JULU é um potencial em criar e apresentar projectos para as
instituições”.