INTRODUÇÃO
O presente trabalho aborda uma das questões mais debatidas
no seio teatral angolano: “A Profissionalização do Actor”. Para melhor entender
esta questão procuramos entrevistar directores, encenadores e actores de alguns
grupos conceituados do país.
O mais interessante é que essa necessidade se manifestou
por si só no decorrer do aprofundamento do conceito de “profissional”. Esta
pesquisa vem de um anseio da compreensão do modo como podemos identificar
parâmetros para um melhor entendimento do que é ser ator profissional em Angola.
Nesse sentido, importa-nos saber se para caracterizar um
ator como profissional existem requisitos pré-estabelecidos na lei ou se é
suficiente o facto de o artista receber uma remuneração ou, ainda, possuir já
alguma experiência consolidada na área de interpretação, bem como uma formação
na área em questão.
Procuramos responder questões pertinentes como: É
possível viver exclusivamente do teatro? Há actores profissionais em Angola? A
experiência, a formação e a remuneração condicionam o profissionalismo do
actor?
I-
“PROFISSIONALIZAÇÃO”
Uma definição da profissionalização, segundo o dicionário de língua
portuguesa significa acto ou efeito de se profissionalizar.
A profissionalização é, portanto, um processo de negociação, pelo jogo dos
grupos sociais, com o intuito de fazer reconhecer a autonomia e a
especificidade de um conjunto de atividades, e um processo de formação de
indivíduos para os conteúdos de uma profissão.
A profissionalização “põe em cena” aquisições pessoais ou coletivas, tais
como os saberes, os conhecimentos, as capacidades e as competências. Mais
ainda, poderíamos dizer que ela reside no jogo da construção e/ou da aquisição
desses elementos que permitirão, no final, dizer a respeito de alguém que ele é
um profissional, ou seja, é dotado da profissionalidade (o conjunto dos
conhecimentos, dos saberes, das capacidades e das competências que caracterizam
sua profissão).
II-
A PROFISSIONALIZAÇÃO DO ACTOR EM ANGOLA
Actualmente não existem leis em Angola que reconhecem a profissão de actor.
Existem apenas leis e regulamentos que deram os primeiros passos para
regulamentação da actividade artistica. Tais como:
- SADIA, Sociedade Angolana do Direito do Autor (ver anexo);
- Associação Angolana de Teatro” vulgo AAT, que juridicamente ainda não
esta reconhecida pelos órgãos tutelares;
- Lei do Mecenato (lei nº8/12 de 18 de janeiro) publicada
no Diário da República (Decreto Presidencial nº 195/15, de 7 de Outubro),
garante aos mecenas culturais incentivos fiscais (redução de até 40% sobre o
valor total dos impostos) aos projectos implementados, bem como aos actos
inerentes ao registo, candidatura, avaliação, acompanhamento e controlo dos
agentes culturais beneficiários no ramo da saúde, educação e cultura.
- UNAC (União Nacional Artistas e Compositores), entidade responsável pelo
cadastramento, regulamentação e controlo das actidades artísticas que no seu
regulamento, capitulo III, artigo 9/2, sobre actividade artística profissional diz:
“Nenhuma Instituição Pública ou Privada
que desenvolva actividade artística no domínio cultural e artístico, pode
contratar artistas que não estejam munidos da carteira profissional, sob pena
de incorrer em infrações previstas no presente regulamento e demais legislação
aplicável.” (Ver anexo).
III-
PROFISSIONALIZAÇÃO
DO ACTOR VS EXPERIÊNCIA
O Teatro em Angola deu os seus primeiros passos antes da independência.
Logo após a Independência este movimento artístico foi se intensificando até
mesmo os apoios por parte do Governo e outras entidades privadas. Nos anos 80,
surgiram os grupos Horizonte Nginga Mbande, Oásis e Elinga-teatro, que até hoje
sobrevivem e acima de tudo com uma parte dos actores que existem desde a
fundação. A década de 90 foi marcada pelo surgimento de vários outros grupos, não
só a nível de Luanda como também em outras províncias.
Daí em diante foram
surgindo vários grupos de teatro. Segundo o Ministério da Cultura até 2014 tínhamos só em
Luanda 300 grupos Teatrais legalizados e mais de 400 clandestinos.
O que nos interessa saber se esses actores que têm no seu
curriculum artístico um vasto largo anos de experiência, podem ou não ser
considerados profissionais de teatro.
Durante as entrevistas 100% dos entrevistados foram
unanimes em afirmar que o factor “Experiência” é indispensável para a
profissionalização do actor.
Segundo a UNAC (União Nacional dos Artistas e
compositores), no seu regulamento sobre a Carteira Profissional do Artista,
capitulo II, no ponto dois do 8º artigo descreve:
“O artista profissional tem de ter, no mínimo,
experiencia profissional artística publicamente reconhecida e comprovada por
uma associação idónea”.
Mas, contudo os entrevistados não descartaram a
importância que uma formação tem no processo da profissionalização do actor,
pois a escola é um importante espaço de socialização com o meio profissional.
IV-
PROFISSIONALIZAÇÃO
DO ACTOR VS FORMAÇÃO
Para darmos continuidade ao desenvolvimento do nosso
trabalho, torna-se necessário compreender como se encontra estruturada a
formação do actor actualmente em Angola, e verificar de que maneira ela está a
ser orientada para o seu contributo a fim de profissionalizar o mesmo.
Em 1978, com o
incremento da cooperação cubana, chegaram a Angola especialistas de teatro,
para ministrarem cursos com objectivo de formar Atores-Instrutores que pudessem
assegurar o movimento teatral angolano, já que o governo português, nada tinha
feito a propósito. É neste quadro que vieram os formadores cubanos: Inácio
Gutierres, Teresa Gonçales e Júlio Guerra. Foi um curso bastante proveitoso
porque os recém Atores-Instrutores receberam material teórico suficiente que foi
de grande utilidade nas suas actividades relacionadas com a disseminação do
teatro em todo o país.
Além do pessoal seleccionados
ainda fizeram-se inscrições públicas, e o ingresso para a frequência ao curso
era feita através de um teste. Compareceram sessenta candidatos. Destes apenas
vinte oito foram apurados e chegaram ao fim com êxito apenas vinte. Estes receberam
a missão de levar o teatro em todo o país, como Instrutores. O curso tinha várias
disciplinas entre as quais, expressão corporal, dramaturgia, direção teatral,
filosofia Marxista-leninista, música, dança, língua portuguesa, teatro infantil
e investigação. Foi assim a primeira formação de teatro na história de Angola.
Posteriormente foram
surgindo outras iniciativas de formação. Anos depois selecionou-se um grupo de
actores para terem uma formação média de teatro em Cuba.
Em 1993 o Ministério da
Cultura criou o Curso Básico de Teatro que culminou na criação do INFA
(Instituto Nacional de Formação Artística) que teve início em 2004, com a formação
Média de Teatro, mas por causa de algumas irregularidades (infraestruturas,
corpo docente…) o mesmo teve o encerramento em 2010.
Recentemente em 2007
enviou-se outros 4 angolanos para formação superior de teatro em Cuba.
Quanto a formação do
actor Angola tem verificado um crescimento significativo. Em 2015, inaugurou-se
o CEART (Complexo das Escolas de Artes), onde começou-se a lecionar o Curso Médio
de Teatro. No mesmo ano arrancou o Curso Superior de Teatro no ISART (Instituto
Superior de Artes) instituição essa, que foi inaugurada em 2014.
Muito antes disso, em
2008, a instituição privada Metropolitana deu o primeiro passo a nível do
Ensino Superior, sendo a primeira instituição universitária em Angola a
lecionar um curso direcionados para actores.
Segundo os dados
recolhidos pelos nossos entrevistados, a formação académica ou técnica é uma mais
valia:
“…É impossível ser um ator profissional sem
ter uma formação académica ou técnica. Porque em termos de avaliação,
crescimento e qualidade, sem formação técnica ou académica o ator não teria
como concorrer no mercado de trabalho e continuaria no empirismo…” salientou
Adelino dos Santos Caracol (Director e encenador do Grupo Teatral Horizonte
Nzinga Nbande)
No mesmo diapasão o
director do grupo Enigma-Teatro Francisco António, afirmou que: “…Para que um actor
seja profissional precisa no mínimo de três coisas: Formação; experiência
profissional no que concerne ao teatro, fazer parte de uma companhia… trabalhar
regularmente e ser remunerado mensalmente…”.
A formação académica
ou técnica por si só não é suficiente para a profissionalização do actor.
V-
PROFISSIONALIZAÇÃO
DO ACTOR VS REMUNERAÇÃO
Segundo a UNAC (União Nacional dos Artistas e
compositores), no seu regulamento sobre a Carteira Profissional do Artista,
capitulo II, no ponto um do 8º artigo descreve: “O artista profissional é o
individuo que, exclusiva ou predominantemente, dedica o seu tempo ao exercício
da atividades artística, dependendo dela a sua subsistência”.
A remuneração tem sido uma ideia muito mal compreendida
no seio artístico, uma coisa é receber em certos momentos remunerações fruto do
trabalho realizado e outra coisa é receber um salario mensal. Ou seja, o actor
profissional é aquele que vive do que faz.
Alguns entrevistados afirmaram que atualmente em Angola é
difícil viver só da profissão de ator, tais como:
·
Flávio Ferrão (Director e encenador do grupo teatral
Henrique Artes- Luanda);
·
Augusto Congo (Director e ator do grupo teatral Luzes ao
palco – Huíla);
·
Dr. Stive (Encenador do grupo teatral Ombaka – Benguela).
Outros entrevistados argumentaram que têm a profissão de
actor como fonte da sua subsistência, tais como:
·
Francisco Pedro António (Director e encenador do grupo
Enigma-Teatro/ Luanda);
·
Manuel Teixeira (Secretário de administração e finanças
do grupo teatral Julu/ Luanda);
·
Raúl do Rosário (Responsável do património do grupo
Elinga-Teatro/ Luanda);
·
Adelino caracol (Director e encenador do grupo teatral Horizonte
Njinga Mbande/ Luanda).
A pergunta que não quer se calar e gera muitas incertezas
é: em Angola é possível viver só da profissão de Actor?
CONCLUSÃO
Notamos também que actualmente os grupos que hoje em
entrevista afirmaram que recebem mensalmente rendimentos são aqueles que
sobreviveram desde a década de 80, prevaleceram organizados e hoje têm uma
estrutura e apoios que os sustem.
A análise apresentada neste trabalho
investigativo apoiou-se como já é sabido, num conjunto de entrevistas, junto de
directores, actores e encenadores dos grupos de teatro angolano. O que
permitiu, desta forma, contemplar uma pluralidade de trajectórias individuais,
espaços de oportunidades e situações profissionais de artistas de diferentes
gerações. Notamos também que Os grupos de teatro mais antigos funcionam como
“escolas de teatro” e permitem às jovens gerações de actores conhecer os
membros que compõem a sua comunidade e assim sendo construir as bases
de um percurso profissional.
Concluímos que os actores estão em processo de formação
contínua e aprendizagem constante: tirar notas, apontar ideias, assistir a
outros espetáculos, fazer cursos de actualização de teatro são práticas
assinaladas com frequência pelos entrevistados e consideradas imprescindíveis
para o seu desenvolvimento pessoal e para um trabalho de aprendizagem em
continuidade.
Durante o desenvolvimento deste trabalho, vimos que o
caminho mais viável para a profissionalização do actor requer pelo menos uma
formação académica ou técnica; uma experiência considerável e comprovada e ser
remunerado pelo exercício da mesma atividade.
BIBLIOGRAFIAS
ASSUMPÇÃO,
Priscila pinheiro. A interpretação do
ator: Um estudo sobre propostas metodológicas do intérprete na Linguagem
audiovisual. Lisboa, 2015.
BORGES, Vera. Actores e
encenadores: modalidades de profissionalização no mercado teatral português
ABRANDES, José
Mena. O Teatro em Angola. Editora
Zila, 1º Ed.
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